sábado, 27 de fevereiro de 2010

CAMAPUÃ ESCONDE MUITAS HISTÓRIAS E TESOUROS

Moradores acreditam que espíritos cuidam ouro enterrado na cidade. Quem os encontra precisa ir embora

FABIANA FAUSTINO

Toda cidade leva consigo histórias. Histórias essas que seus habitantes acreditam e têm como certas. Fazem parte de suas culturas e vidas, mesmo não tendo participado delas. No interior essa cultura é mais forte e viva. Por serem cidades pequenas os avós contam aos pais que por sua vez contam aos filhos.

Camapuã é uma cidade do interior de Mato- Grosso-do-Sul que tem muitas histórias para contar. Ela serviu como rota das Monções, fase importante da entrada brasileira no território americano, ocorreu entre os séculos XVII e XIX. E na metade do trajeto atravessavam por terra treze quilômetros no Varadouro de Camapuã, para chegar às Minas de ouro em Mato Grosso” diz a historiadora Vanuza Ribeiro de Lima.

E por esse motivo, segundo seus habitantes, esconde muitas lembranças envolvendo ouro. As mais conhecidas são as dos “enterros”. Para os mais idosos do local os monçoeros deixaram tesouros enterrados em alguns lugares da região que eram cuidados por espíritos. E entregues a algumas pessoas por meio de sonhos.

“Eu não sei o que sonha, mas eu já ouvi falar que a pessoa sonha que vai ganhar o enterro e tem que ficar caladinha, não pode contar pra ninguém. Daí a pessoa vai até lá sozinho, onde o enterro está escondido, a meia-noite pra tirar”, relembra Dona Virgínia Estevam.

Outros afirmam com toda certeza que algumas pessoas já encontraram esses ouros. “Quem achava os ‘enterros’ tinham que mudar de cidade, senão morria. Já ouvi falar de uma pessoa que tirou o enterro aqui numa fazenda e mudou pra Campo Grande. Só que daí ele voltou e não levou dois meses morreu”, assegurou senhor Otávio Alves de Lima.

Essas narrativas ficaram tão fortemente gravadas nas mentes e na história dessa gente que até hoje há casos de pessoas que saem à procura desses ouros. Dona Ernestina Campos relatou: “Estes dias pra trás teve um senhor aqui em casa que tinha vindo do Figueirão arrancando enterro. Cavucou, cavucou, mas não achou nada”.

Lendas? Contos? Histórias? Ou somente lembranças que ainda vivem na memória dos mais velhos? Não sabemos. Só sabemos que ao entrar em contato com essas narrativas sentimos o sabor do passado ainda presente.

Notícia publicada pelo jornal Unifolha on-line. O texto pode ser encontrado no site: http://ww2.unifolha.com.br/lernoticia.aspx?id_noticia=3032

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

DOCUMENTO PRIMÁRIO DO LIVRO TOMBO DE CAMAPUÃ 1948 A 1976. *

Vanuza Ribeiro de Lima.


O presente trabalho versa sobre uma analise textual do conteúdo existente no Livro do Tombo de Camapuã / MS. Por meio da leitura desse documento é possível perceber como a comunidade católica da cidade manifesta sua fé, onde há um destaque de fragmentos da influência dessa religião na economia, política e sociedade camapuanense. Também são encontrados no documento original dados estatísticos, históricos, geográficos e jornalísticos sobre o que acontece na paróquia com ênfase para os atores eclesiásticos.


O Frei Silvio Aurélio Circuliato escreve o histórico da paróquia em 23 de setembro de 1975 na cidade de Campo Grande. Camapuã era um Distrito pertencente à Coxim que foi desmembrado em 1948. A paróquia de Coxim e Camapuã era visitada pelos Padres Salesianos de Campo Grande; (1939) ocasião em que foi entregue aos Frades Franciscanos, sendo o Frei Eucario Smith o primeiro vigário dessa congregação, o qual tomou posse em Coxim em 10 de março de 1939. No ano de 1953, o Frei Patrício fez a festa de São João Batista, onde ocorreram batizados, comunhões e leilão. Os resultados da festa contribuíram para construção da igreja.


Essa festa sempre foi de fundamental importância no distrito, pois num primeiro momento ela aqueceu a economia e reforçou a fé católica da região. A próxima festa registrada aconteceu em junho de 1956 quando o Frei Eucario Smith, vigário da paróquia de Coxim, foi a região de Camapuã – Figueirão para celebrar a festa de São João Batista, padroeiro do lugar. Nesse mesmo evento foram realizados 195 batizados e 17 casamentos.


A paróquia de Coxim foi entregue aos cuidados dos Frades Capuchinhos ao findar o ano por Dom Orlando Chaves, Bispo de Corumbá. Pelo decreto no 24 em dezembro de 1956, emitido por Dom Orlando Chaves, foi criada e desmembrada de Coxim a Paróquia de Camapuã. Os frades Capuchinhos visitaram, em novembro, a fazenda do Sr. Agenor Mendes Fontoura.


No dia 13 de janeiro do mesmo ano tomava posse como primeiro vigário de Camapuã Frei Vicente Mussuns, que administrou a Paróquia até agosto de 1968. Neste período, ele construiu a Igreja Matriz e a Casa Paroquial. Celebrou neste local Bodas de Prata de Sacerdócio, cuja comemoração contou com a presença do Bispo Diocesano de Campo Grande Dom Antonio Barbosa.


O Frei Jerônimo Francisco Gresele, chega a Camapuã para substituir o frei Vicente em 1968 ate 1975, criaram-se novos núcleos (Costa Rica e Figueirão), que se desenvolveram muito. Segundo o cronista do livro do Tombo:


[...] a tal gente que desde 1974, há um novo Padre possionista atendendo aquela região [...]. Muitas fazendas foram transformadas em grupos; entraram os tratores, os imigrantes do Sul e o Município têm agora uma economia mais reforçada e uma área plantada com arroz, café, soja.


Essa citação mostra claramente a participação dos sacerdotes locais no cotidiano das famílias católicas. Percebe-se também como a observação destes fatos tinham destaque para economia: o processo de modernização do campo e das migrações internas. A cidade de Camapuã cresceu e a paróquia procurou acompanhar esse crescimento; formando grupos, promovendo cursos de renovação, centros comunitários, etc. Ainda em 1975 o Frei Jerônimo passava por problemas de saúde e precisava de um cooperador. No mesmo ano, o Frei Silvio Aurélio ofereceu-se para auxiliar o Frei Jerônimo por tempo indeterminado, já que este precisava fazer tratamento oftalmológico. Nesse período ainda foram comemorados com missas os dias do Professor e do Médico. Após a volta de Frei Jerônimo iniciaram-se os preparativos para as aulas de catequese e primeira comunhão.


O jornal “Diário da Serra” de Campo Grande (MS) publicou uma matéria a respeito da história de Camapuã, em 11 de novembro de 1975, descrevendo a trajetória dessa paróquia. Outro documentário publicado no mesmo jornal versou sobre as dificuldades para conseguir sacerdotes para cidade, tendo as vezes que recorrer a clérigos de outras regiões e até mesmo de outros países. Houve um destaque sobre a facilidade de adaptação dos clérigos em sua nova residência, chegaram a considerar o lugar como "uma cidadezinha agradável de interior".


No mês de dezembro de 1975 a paróquia de Camapuã recebeu uma Brasília, modelo de carro produzido na época. As atividades desse mês contaram com o 1o curso de pais e padrinhos e a 1a comunhão das crianças. A paróquia também recebeu a visita de dois estudantes Capuchinhos vindos de Porto Alegre. Na campanha do Natal a paróquia, recebeu ofertas da comunidade para serem entregues a famílias necessitadas.


Na visita do Frei Jerônimo ao interior do Município, observou a perda de cafezais em consequência do frio e da geada. Os párocos acompanhados pelos estudantes Capuchinhos foram até Sidrolândia para a cerimônia de bodas de Prata do Sacerdote dessa cidade.


Em Camapuã, a celebração do dia 31 de dezembro teve a participação do povo na liturgia de ano novo. Em curso de noivos foi organizado por um grupo de casais campo-grandenses. No mês de fevereiro de 1976, foram transferidos o vigário, Frei Jerônimo Francisco Grisele e seu Cooperador, Frei Silvio Aurélio Circuliato. Sendo estes substituídos respectivamente pelos Freis Adriano Luiz Picoli e Angélico Aresi.


Os novos párocos foram muito bem recebidos pela comunidade e nesse mesmo mês começaram a trabalhar, realizando missas e também percorrendo o interior do Município para a realização dos sacramentos. A inauguração do Banco do Brasil e do Matadouro Industrial receberam as bençãos dos Freis da cidade. Nessa mesma ocasião o governador Garcia Neto esteve presente na paróquia.


Os Frades dedicaram-se a visitas às famílias do município, estipularam a frequência das visitas ao interior do município de Camapuã. As instalações elétricas foram reformadas na igreja. A catequese foi organizada com professoras para todas as regiões; porém o ponto forte entre as comemorações foi a Semana Santa, pois houve uma vasta participação da população, mesmo com chuvas e falta de iluminação. O tema das reuniões era Caminhar Juntos. No dia 19 de março, aconteceu o 2o encontro da Fraternidade. “No início, estes encontros são um tanto penosos, pois a situação econômica não permite nem pagar a gasolina, devido ao que se fez aqui por longos e largos anos” (TOMBO, 1976, folha 018).


Maio foi o mês de Maria, do amor e do Rosário. Na cidade chovia, como não havia calçadas, o barro era abundante e ainda havia falta de energia. Na catequese para a 1a Eucaristia foram matriculadas 127 crianças.


Em junho de 1976, reiniciaram-se as tradicionais festas de São João. Aparentemente, tanto a cidade quanto a paróquia passavam por um mau momento econômico. As ruas não estavam asfaltadas e o padre reclamou para os cristãos a situação financeira da paróquia. Este novo pároco deixa nas entrelinhas sua insatisfação com a organização e gestão do sacerdote anterior. O Frei Angélico pede ajuda a comunidade para adquirir um tabernaculo. No mesmo período aconteceu a festa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na Pontinha do Coxo (distrito de Camapuã), com grande aparato.


Setembro foi o mês do retiro anual, realizado em Sidrolândia. Foram adquiridas cinco estolas novas e atualizadas para melhor atender o altar da igreja. Houve uma missa na Ponte Vermelha. O povo liderado por Miguel Gomes da Silva reconstruiu o salão paroquial, o que foi feito com muito entusiasmo. A paróquia foi visitada pelo Frei Eurico Bolsan, Vice-Provincial, que elogiou o trabalho dos sacerdotes da cidade. Também foram iniciadas as obras da Praça Matriz, com a ajuda da Prefeitura Municipal.


Para arrecadar fundos e dar continuidade a algumas obras da paróquia, fizeram duas festas em São Gabriel do Oeste (neste momento ainda distrito de Camapuã). Conseguindo dessa maneira terminar os projetos. Registrou-se a visita de pessoas do “Sertão” à cidade, para resolver assuntos diversos. Essas viagens, muitas vezes, aconteciam uma vez ao ano. A missa do dia 31 de dezembro foi realizada às 11 horas, devido à precariedade do sistema de energia. O Frei Adriano Luiz Piccoli assina o Livro do Tombo no termino do ano de 1976.


Esse é um documento extremamente importante para a compreensão da fundação e desenvolvimento, tanto da paróquia quanto do município de Camapuã. Se observou como a Igreja Católica é importante na vida das pessoas dessa região, já que os sacerdotes eram sempre convidados para visitarem as pessoas, em especial do meio rural; lembrando que as sociedades agrárias são muito mais voltadas ao religioso na busca de compreender o sagrado. Os empresários também não abrem mão da benção dos párocos sendo que até os dias de hoje várias pessoas mantêm esse hábito. A manifestação religiosa do povo pode ser percebida por meio da presença popular nas festas, missas, encontros e cursos promovidos pela Igreja.


A influência econômica da paróquia está mais voltada para a movimentação social. O pároco também sente quando a economia municipal ou nacional está passando por dificuldades e crises econômicas. No contexto assinalou-se o movimento migratório ocorrido no município, que associado aos novos recursos tecnológicos começaram a mudar as técnicas primárias anteriormente adotadas.


Os movimentos políticos foram expressos nos incentivos à Igreja, pois a comunidade religiosa, que é grande, podia “contribuir” a essa ajuda em período eleitoral; na percepção do descaso com que é tratada a cidade, por exemplo, quando o relator se refere as ruas sem asfalto; também foi exposto a respeito das coisas que não podem ser comentadas, lembrando que o período final do documento foi produzido durante a última ditadura militar brasileira onde a censura imperava. Notas de jornal foram transcritas e até mesmo uma carta produzida por um dos descendentes dos fundadores da cidade, cujo nome não é citado.


Observou-se que a paróquia carecia de recursos financeiros para o desenvolvimento de suas atividades e que quando a comunidade não dispunha de recursos para auxiliar, o pároco optava pelas festas religiosas, as quais de certa forma ofereciam um saldo significativo em moeda corrente para dar continuidade às obras da paróquia.Tais contribuições eram sempre recebidas pelo representante da igreja local.

REFERÊNCIAS



ARNS, Paulo Evaristo. O que é Igreja. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Coleção primeiros passos).

CASTILHO,Maria Augusta de. Religião, símbolo e poder no primeiro Bispado em Campo Grande (1958 – 78). Campo Grande: UCDB,1998.

ALVES, Rubem. O que é religião. 13. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. v. 31 (Coleção Primeiros Passos).

LIVRO TOMBO. Paróquia São João Batista. Camapuã, 1948 à 1976. 21 folhas.

*Texto publicado no I Simpósio Internacional sobre Religiões, Religiosidades e Cultura, em Dourados MS (2003).